Por: Ana Fonseca Pereira,
Papa Francisco |
Foi descrita como a beatificação mais numerosa da história da Igreja Católica, mas foi também uma nova demonstração de que, 74 anos depois do fim da guerra civil, Espanha ainda não sarou as feridas e os rancores. Em Tarragona, na Catalunha, 522 "mártires da perseguição religiosa do século XX" - quase todos padres, freiras e seminaristas mortos durante a guerra - foram ontem proclamados beatos, num acto que a Conferência Episcopal disse ser "estritamente religioso", mas que escandalizou quem há anos luta por igual reconhecimento para as vítimas do franquismo.
"Por acaso, aos olhos de Deus, são mais justos uns do que outros?", questionava-se o movimento progressista Cristãs e Cristãos, querendo saber por que continua a hierarquia católica tão empenhada em elevar aos altares os seus mártires - são já mais de 1500 os beatos do século XX em Espanha -, depois de ter acusado o anterior Governo socialista de "reabrir as feridas" quando, em 2007, aprovou a Lei de Memória Histórica para ajudar as famílias dos desaparecidos durante a guerra e a ditadura a encontrar os seus corpos.
A Igreja espanhola desmentiu qualquer conotação política e anunciou mesmo que seriam banidos da celebração quaisquer símbolos da ditadura face a notícias de que grupos radicais poderiam estar presentes. "Este será um momento de paz, perdão e reconciliação", disse, dias antes, o arcebispo de Tarragona, Pujol Balsells, citado pelo El Mundo.
O porta-voz da Conferência Episcopal, presidida pelo conservador arcebispo de Madrid Rouco Varela, sublinhou que a celebração não seria "aos mártires da guerra civil", porque nenhum dos novos beatos morreu "de arma na mão". "Estavam nos seus conventos, nas suas igrejas, nas suas casas, e foram buscá-los, oferecendo-lhes liberdade se negassem o nome de Jesus. Morreram por não renegarem a sua fé." No entanto, à excepção de dois sacerdotes, foram todos mortos durante a guerra que começou em 1936 com o golpe militar liderado por Francisco Franco contra o Governo republicano.
O mais novo era um monge de 18 anos, a mais velha uma freira de 86. Quase todos tinham consagrado a vida à religião, como Juan Huguet, pároco nas Baleares fuzilado por milicianos. Ontem, a sua família, entre a multidão de 25 mil pessoas que assistiu à beatificação, disse ao El País não perceber por que ficaram ofendidas as famílias das vítimas republicanas. "São coisas diferentes, uma coisa é um conflito civil, outra é a perseguição sistemática com vista à liquidação", explicou um sobrinho.
Foi também nessa tecla que bateu o cardeal Angelo Amato, prefeito da Congregação para os Santos que presidiu à cerimônia, referindo-se aos novos beatos como mártires "de uma radical perseguição religiosa, que se propunha exterminar a Igreja".
O Papa Francisco, que enviou a Tarragona uma mensagem de vídeo, preferiu reflectir sobre o sentido de ser mártir, elogiando o exemplo de cristãos que "o foram até ao fim". Não deu, porém, qualquer resposta ao apelo da plataforma Comissão de Verdade, que junta mais de 100 associações, para que pedisse perdão pelo apoio que a Igreja deu a Franco, durante e depois da guerra.
Um perdão que, antes de mais, deveria ser pedido pelos bispos espanhóis, escreveu a plataforma Redes Cristianas, que agrupa movimentos católicos progressistas, num artigo de opinião no El País. "Todos os grupos têm direito, provavelmente a obrigação, de honrar os seus mortos", mas, ao ignorar o sofrimento do outro lado, a Igreja "parece querer manter abertas as feridas" e demonstra "a sua incapacidade para superar as posições do passado", dizem os signatários. "Para que seja possível construir a reconciliação que o país necessita, é preciso ressarcir moralmente todas as vítimas, e isso ainda não foi feito com as do lado republicano."
Denúncias que ganham força por surgirem dias depois de um grupo de trabalho das Nações Unidas sobre Desaparecimentos Forçados ter recomendado a Madrid que se empenhe em descobrir o que aconteceu aos mais de 143 mil espanhóis desaparecidos durante a guerra civil e a ditadura. Pediu também que anule a lei da amnistia, aprovada na transição para a democracia, e julgue os responsáveis pelos crimes.
Um apelo que não poderia ter sido menos ouvido: além da recusa em mexer na lei que desde 1977 trava qualquer iniciativa para julgar responsáveis do franquismo (posição que comparte, aliás, com os socialistas), há dois anos que o Governo de Mariano Rajoy não destina qualquer verba às associações que se dedicam a localizar e exumar valas onde foram sepultados os derrotados e opositores de Franco, noticiou o El País. O executivo recusou também um diploma da oposição para criminalizar a apologia do franquismo e o mesmo poderá acontecer a uma proposta da esquerda para localizar e abrir no prazo de dois anos as mais de duas mil valas comuns que se pensa terem sido abertas durante a guerra - desde 2006, foram apenas retirados os restos mortais existentes em 400.
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