Por Jean Wyllys, CartaCapital
Jean Wyllys |
Não é segredo para ninguém que o senador Lindberg Farias é pré-candidato do PT ao governo do Rio de Janeiro. E que sua pré-candidatura ameaça a aliança sempre conflituosa - sempre por se romper a qualquer interesse privado não atendido – entre seu partido e o PMDB, sigla que no momento não só governa o Rio, mas tem a vice-presidência da República, além de presidir as duas casas do Congresso Nacional. O atual governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, mesmo sucumbindo a uma impopularidade sem precedentes, fruto de denúncias de corrupção em sua gestão, não quer a candidatura de “Lindinho” e pretende eleger seu vice, Pezão, a qualquer preço. Ameaçado pelo impacto negativo de sua pré-candidatura na aliança nacional entre PT e PMDB e sentindo que esse impacto se amplia na medida em que a parceria entre Marina Silva e Eduardo Campos emerge como a possível aposta da “grande mídia” para eleições do próximo ano, Lindberg decidiu pôr a alma à venda em busca de força para sua empreitada. Ora, se o fato de se pôr a alma à venda já suscita um debate sobre ética, imaginem quando a alma é oferecida a negociante que costuma pagar pouco e pedir mais que alma!
Todos sabem como Silas Malafaia se comportou nas eleições de 2010 em relação à então candidata do PT Dilma Rousseff. Em conluio com José Serra, candidato do PSDB, ele demonizou a petista e reduziu o debate eleitoral a uma agenda moralista - quase fascista – que obrigou os principais candidatos à presidência a se colocarem contra os direitos sexuais e reprodutivos das mulheres e contra a cidadania plena de homossexuais. Não contente, nas eleições do ano passado, Malafaia tentou derrubar o candidato do PT à prefeitura de São Paulo, Fernando Haddad, com a mesma estratégia de demonização e rebaixamento (aliás, o apoio do pastor ao candidato do PSDB me levou a sair em defesa de Haddad mesmo contra a vontade de meu partido).
A militância petista teve ânsias de vômito quando viu imagens de José Serra em cultos evangélicos, acompanhado de Malafaia, proferindo expressões cristãs – “A paz do senhor, irmão” – que, em sua boca, soavam tão naturais quanto um pacote de Tang. O que essa mesma militância estará dizendo de seu senador?
A foto de Lindberg orando ao lado de Malafaia me fez lembrar das lições de Roland Barthes na memorável A câmara clara, obra que li para a disciplina Fotografia quando cursava Jornalismo nos idos anos 90. Nela, Barthes elabora dois conceitos - Studium e Punctum - para se referir a dois modos de envolvimento com a fotografia. O studium corresponde a uma “leitura” da fotografia por meio de critérios e objetivos definidos; uma espécie de crítica intelectual da imagem a partir de um repertório cultural. Posso dizer, então, tendo em vista o studium da foto em que o senador do PT aparece “orando” ao lado do pastor fundamentalista e boquirroto, que a mesma revela um “fenômeno extremo” da contemporaneidade: o abraço eivado de cinismo entre o marketing e a política.
A expressão “fenômenos extremos” é utilizada pelo filósofo francês Jean Baudrillard, em seu excelente A transparência do mal, para se referir aos episódios da atualidade que correspondem à substituição do real por “simulacros”. A foto da conversão de Lindberg não é só um “simulacro” do real mas, antes, uma simulação descarada. Nela, o mal – a mentira, a enganação, o oportunismo, a desonestidade intelectual, a venda da alma ao diabo - é transparente a quem quer que se preste a “ler” seu studium.
Já o punctum é, segundo Barthes, algo que, na imagem, toca-nos independentemente daquilo que, nela, vemos de imediato ou buscamos. Nas palavras do autor, o punctum é “um detalhe”; “são precisamente pontos”; “pequena mancha, pequeno corte” [na fotografia]. Trata-se de uma “leitura” não-intelectualizada da imagem; intuitiva; um ponto na foto para o qual o olho se dirige quase contra a vontade; um traço notado mesmo que tudo na foto chame mais atenção que ele. Varia de acordo com o leitor. Para mim, o punctum da foto de Lindberg “orando” ao lado de Malafaia é o riso mal-disfarçado de ambos. Ambos têm consciência de que estão enganando um eleitorado que não por acaso é chamado e tratado como “rebanho” pelo seu pastor. Esforçam-se para parecerem convincentes – e tudo na foto reforça a verossimilhança da cena, inclusive o nome “Jesus” ao fundo. Mas o punctum os desmascara e revela o riso da serpente.
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